será que eu ainda te amo?

maria acordou angustiada. não sabia explicar, mas sabia sentir. abriu os olhos e viu marcos bem ali, adormecido, ao seu lado, com aquela respiração absolutamente previsível e profundamente conhecida. nove anos de casamento e dois filhos não são qualquer coisa, pensou. e, sem muito controle, a pergunta silenciosa voltou: será que eu ainda te amo, marcos? no mesmo domingo de sol, com um oceano de distância entre os casais, fernanda corrigia provas - com prazo apertado e tempo dividido entre aula por preparar e um artigo por revisar. já havia pedido silêncio algumas vezes a joana, sua companheira - que gargalhava ao telefone, num bate papo infinito. irritada, fernanda se lembrou do quanto joana havia mudado, ao longo dos três anos em que estavam juntas. correu pra fazer uma mímica, pedindo silêncio, avistou joana deitada no chão, taça de vinho ao lado - e pensou: será que eu ainda te amo, joana?
a verdade é que os casamentos são um projeto de vida importante, assim como tantos outros que nos compõem. planos, sonhos, investimentos, famílias, finanças. vivemos bons momentos e enormes aprendizados, com nossos parceiros ou parceiras. na maioria das vezes, acreditamos que seremos felizes para sempre. por outro lado, já entendemos que não é necessário ficarmos com uma mesma pessoa a vida inteira, como nossos avós costumavam fazer. ufa. mas levamos isso tão a sério, que já nem nos surpreendemos com casamentos jovens que se desfazem assim, da noite para o dia - como flores que não se permitem desabrochar. a fragilidade e a rapidez das relações amorosas parecem ser a marca do nosso tempo.
assim como maria e fernanda, todas nós certamente vivemos (ou viveremos) instantes de dúvidas sobre nossos casamentos. será que eu ainda amo mesmo essa pessoa? ou estou apenas acomodada nessa relação? a rotina, os afazeres domésticos, o trabalho, os filhos (quando existem) e até mesmo as mudanças comportamentais das duas partes (sim, nós mudamos com o passar do tempo!) podem nos deixar confusas sobre nossos próprios sentimentos. o resultado é que, no brasil, os divórcios estão em alta. segundo dados do colégio notarial do brasil, em 2021, já houve um crescimento de 26,9% (entre janeiro e maio) em relação ao mesmo período do ano anterior, 2020. claro que a pandemia acelerou muitas separações - por conta do isolamento social e dos nervos à flor da pele. entretanto, os divórcios já vinham num crescente, mesmo antes da pandemia.
pausa.
aqui, eu gostaria de te lembrar que o amor fala mesmo é sobre coragem. muitas formas de coragem. amar é um desafio. viver à dois, mais ainda. e sim, casar requer coragem. assim como a vida, o casamento é montanha-russa. sempre teremos altos e baixos. e a gente respira e vai.
percebo que alguns casamentos terminam por nossa falta de habilidade em lidar com seus contratempos eventuais. movidas pelo impulso e com a certeza de que não precisamos viver com a mesma pessoa para sempre, desfazemos nossas relações. e, muitas vezes, nos esquecemos de que estar-lá-embaixo também faz parte do caminho. todas as relações são permeadas por conflitos. todas. e a magia do casamento se esconde aí: nesse lugar do reconhecer os conflitos, aprender a lidar com eles - e atravessá-los, juntos, lado a lado. gosto de dizer que a cada conflito vencido, fortalecemos um pouquinho mais a musculatura das relações. aí me pego pensando no quanto alguns aspectos poderiam ser facilmente alinhados - e no quanto aquele momento ruim poderia evoluir para algo diferente, saudável, bom. será que uma saída por semana com marcos não resolveria a angústia de maria? será que uma conversa franca entre fernanda e joana não reconectaria esse casal? será?
antes que me interpretem mal, não defendo casamentos eternos. e sim, existem limites que não podem ser ultrapassados numa relação - a violência (de qualquer ordem) é um deles. mas não me refiro a isso. essa reflexão é apenas uma proposta para repensarmos a intolerância e a impaciência com que tratamos nossos casamentos, atualmente. diante de tudo isso, te convido a pensar e a ponderar algumas questões - caso você vivencie algo semelhante:
você realmente já esgotou todas as possibilidades, nessa relação? você já fez tudo que poderia fazer - para que a relação se modifique?
você já se perguntou qual a sua parte na mudança desse casamento - que costumava ser tão bom?
você já tentou um diálogo franco e verdadeiro? você já disse como se sente e propôs mudanças efetivas no relacionamento?
você já avaliou a ideia de uma terapia de casal?
e, individualmente, você já pensou num processo psicoterapêutico, capaz de te ajudar a enxergar suas frustrações e buscar a melhor decisão?
esse é um texto-convite.
mais do que torcer para que o amor seja infinito enquanto dure, como bem disse o poeta, essa reflexão te convoca a ter certeza de que não há mais amor. olhe lá dentro. onde vive o seu amor?